quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O homem deve ter se julgado o mais sem graça dos bichos quando se viu nu e sem pêlo diante da beleza dos outros animais.
Quantos desenhos diferentes eles tinham sobre a pele: listras, círculos e pintas! Protegendo-lhes o corpo, pelos longos e sedosos. Chifres e bicos surgiam imponentes.
E o homem, coitado, com a pele sem desenhos, a cara sem bico, a cabeça sem enfeites. Pior: nenhum sinal no corpo que dissesse aos outros animais, quem, afinal ele era.
Um dia, ficou admirado só de ver as penasmulticoloridas dos pássaros e as escamas reluzentes dos peixes - tudo brilhando sob a luz do sol.
Olhou para o próprio corpo e desejou ser diferente.
Esfregou pó de madrepérola na pele para deixa-la mais brilhante, misturou urucum com gordura para fazer tinta vermelha, e com um pincel feito de lasca de madeira criou lindos desenhos no corpo todo.
Mas, temendo que o desenho virasse um borrão, descobriu uma técnica mais ousada: com uma espinha de peixe bem pontuda inseriu a tinta por debaixo da pele.
Sentiu uma dor profunda.
O efeito porém haveria de durar pra sempre.
Teve de cuidar da ferida por alguns dias, com ungüento. E depois comemorou orgulhoso: nem a água nem o sal poderiam arrancar o desenho de sua pele.
Ainda não era o suficiente. Inventou de atravessar o septo nasal com um osso da largura de um dedo, e de espetar penas de beija-flor sob os lábios.
Quem pode dizer não ter sido essa a origem da pintura corporal, da tatuagem e do piercing?



Leuza Araujo, Tatuagem, piercing e outras mensagem do corpo.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A seguir um conto meu, escrito já faz algum tempo.

Andava solitário pelas ruas da cidade a noite, a droga do uísque tinha acabado e eu não tinha dinheiro suficiente para comprar outra garrafa, ao menos não de alguma bebida que prestasse. Afinal, era sábado, e sábados pedem uma bebida decente. No caminho encontrei vários jovens, de certo estavam indo para alguma festa em uma casa noturna qualquer, não me sentia com espírito para isso, não naquele dia.

Eu estava a uns dois quarteirões da casa de Márcia, gosto dela, não que ela seja bonita nem nada do tipo, mas gosto da maneira como ela sorri. Seus dentes às vezes me enojam de tão amarelos, já pedi para ela largar o cigarro, mas mesmo assim ela continua fumando, nem tanto pelos dentes dela, mas, com os diabos! Eu sempre acabo fumando junto com ela. Ela certamente tem seus encantos, morena, cabelos curtos, um olhar um tanto inquisidor, às vezes ela parece ler meus pensamentos, mesmo aqueles que eu não percebia estar pensando.

Ela mora em uma casinha simpática no fim da rua, apenas uma janela na frente, janela essa que sempre é mantida fechada, ela provavelmente vai acabar tendo câncer por essas manias de fumar trancada em casa. Passei uns 15 minutos parado na frente da casa pensando nisso, nela lá morrendo na cama do hospital e eu chegando e dizendo: "Eu avisei". Então percebi que a vizinha dela estava me olhando de um jeito estranho, deve ter pensado que eu ia arrombar a porta, estuprar a Márcia e roubar tudo de valor que tenha lá dentro... Coitada, mal sabe que a casa é praticamente vazia e que eu não tinha motivo algum para estuprar minha amiga...

Com medo de ter de encarar a polícia de novo resolvi bater na porta, Márcia me atendeu com a cara mais escrota possível.

- Pois não?

- Porra, Márcia! Você sabe que eu odeio quando você faz isso!

- É, você me disse.

- E por que continua fazendo, então?

- Por que quando você fica irritado não fica tão feio assim.

Odeio essa mania dela de me chamar de feio também, aliás, odeio muita coisa nela. Tenho certeza que se ela não fosse tão boa com a boca eu nunca falaria com ela. Mas, que diabo! A mulher tem uma língua fantástica! Fiquei viciado no oral dela. Não dizem que se amarra homem pela boca? Ela me viciou COM a boca.

- Entra, Sep, você parece cansado - Convidou.

Entrei e sentei em uma cadeira, ela sentou de frente para mim, com os braços apoiados no encosto que deveria estar nas costas dela, ela não tem sofá.

- Então, o que você me conta? - Perguntei.

- Nada de bom, a mesma rotina nojenta de sempre. Casa, trabalho, bar, casa, banheiro, cama, ressaca, trabalho.

- Falando nisso, tem alguma coisa pra beber aí?

- Claro, uísque ou conhaque?

- Uísque.

Logo na segunda dose já senti o efeito, uma leve tontura e uma língua mais solta pra falar sacanagem. Márcia também sentiu, em dez minutos ela estava de joelhos na minha frente abrindo minha calça. Então aconteceu. Alguém batia na porta, ela foi ver quem era e me olhou com aquele olhar escroto que ela sempre dá quando quer dizer que eu estou fodido.

- Sep, é a Taís.

"Sep, é a Taís"

Odeio isso, odeio ser interrompido e ter de me esconder. Não, a Taís não é minha namorada ou qualquer coisa do tipo, ela é a namorada da Márcia. Eu costumo transar tanto com uma quanto com a outra, Márcia sabe disso, Taís não. Ela ainda pensa que está traindo a namorada e sua homossexualidade quando dá para mim. Não sei por que ela pensa assim, e também pouco me importo com isso.

O diabo disso tudo, é que eu tenho que ficar trancado no armário enquanto o casal fica se pegando. E pra alguém que teve a alegria cortada como eu tive agora, ter de ouvir gemidos de mulher, é uma tortura dura demais, literalmente.

- Amor, tem alguém aí? - De dentro do armário pude ouvir Taís perguntar.

- Não, querida, quem poderia ser? Você sabe que eu sou só sua...

Bom, o restante dispensa descrições maiores. Afinal, é uma história sobre mim, e não um conto erótico de lésbicas. Acabei por passar umas duas horas ouvindo os gemidos e sentindo um tesão desgraçado sem poder fazer nada, então ouvi o barulho da porta do banheiro ser aberta e depois bater e arrisquei uma espiada, as duas haviam entrado no banheiro. Como eu queria entrar lá agora, mas eu provavelmente perderia as duas por ter ouvido a cabeça errada, preferi não arriscar e saí da casa. Claro que antes eu bebi uma dose do uísque, como prêmio de consolação por ter suportado bravamente a tortura.

Sai da casa a passos rápidos e me sentindo estranho, talvez pelo tesão não saciado ou pelo uísque, o que também não me importava. O que importava era que eu estava na rua, sentindo uma dor terrível nas minhas bolas e sem ter para onde ir.

Acabei por decidir passar na casa do Michel, eram 23h, ele já deveria estar em casa. Michel era o mais bêbado de meus amigos, nunca vi ele com mulher alguma. Ouvi dizer que ele ficou assim depois de tomar um pé da ex-mulher dele, depois disso nunca mais quis saber de mulher alguma e só pensava em encher a cara. Não sou de me importar muito com o que os outros dizem, mas confesso que faz sentido para um cara como ele. Nem mesmo era um cara com quem se pode passar algumas horas conversando de forma produtiva, ficava o tempo inteiro dizendo como as mulheres não prestam e relatando seus porres homéricos. Mas tinha uma qualidade indiscutível, nunca lhe faltava bebida de qualidade.

A casa dele mais parecia um barraco, feita de madeira(podre), com a janela caindo e a porta em péssimas condições. Isso sem falar no cheiro terrível de vômito que aquele barraco tinha. De qualquer forma bati na porta. Uma guria de uns 16 anos me atendeu.

- Oi.

- Oi, o Michel está? - Perguntei.

- Só um minuto.

Ela entrou na casa e chamou ele, que veio cambaleante com uma garrafa de conhaque pela metade na mão.

- Sep! - Me cumprimentou com um abraço, e um hálito que poderia ser usado como arma em alguma guerra.

- Como vai Michel? Eu vim aqui para ver se você queria ir até o Sol de Verão comigo, mas pelo jeito você não precisa de cerveja? - Perguntei enquanto olhava pra guria, era realmente difícil de acreditar que o bêbado do Michel estivesse comendo uma guria como aquela.

- Pra que ir naquela bodega se nós podemos beber aqui em casa? Entra, entra.

- Aline, pega um copo pro Sep. - Ele disse com voz autoritária.

Nós três bebemos aquela meia garrafa e mais uma cheia, estávamos realmente bêbados quando Michel foi ao banheiro e eu e Aline conseguimos ouvir da sala o barulho que ele fazia para vomitar.

Estávamos a sós na sala e não se ouvia mais som algum do banheiro, provavelmente o Michel dormiu depois de vomitar tudo o que tinha no corpo. A chance perfeita.

Ela estava realmente linda naquela noite, cabelos castanhos e soltos, belos olhos de um verde vivo, ela tinha um ar de menina romântica que mexeu comigo. Diabo, eu e minha queda por meninas com cara de inocente, já me fodi bonito por ter tanta vocação pra trouxa, e mesmo assim persisto no erro.

Mas o que realmente importa é que ela mexeu comigo, o suficiente pra me encorajar a tomar uma atitude arriscada. Afinal, ela tinha bebido muito, deveria estar mais solta... Além do que, não vi ela e o Michel se beijando nem nada, apenas estavam abraçados. Isso tudo me fez pensar que talvez ela fosse apenas sobrinha dele ou algo parecido, idade para isso ele tinha, aliás, ele tinha idade para ser o pai dela.

- Aline, você parece triste, aconteceu alguma coisa? - Arrisquei a pergunta, mesmo por que ela realmente parecia triste.

- Problemas com minha mãe, ela não me entende... - Respondeu com ar preocupado.

- Se você precisar de um ombro amigo, eu estou aqui pra isso - Me ofereci.

Prefiro não entrar em detalhes sobre tudo o que descobri sendo o "ombro" dela, mas dentre as informações que eu obtive, várias delas foram interessantes. Como o fato de ela ser filha do Michel, fruto do tal casamento que acabou. Isso foi algo que realmente me interessou, e muito.

Fui me aproximando dela pouco a pouco, disse coisas doces e elogiei o jeito meigo dela. O bom foi que dessa vez não era mentira, ela realmente tinha um jeito meigo. No fim das contas acabei por conseguir um beijo na boca, ela beijava muito bem, de um jeito diferente das outras. Depois disso fui tentando esquentar as coisas um pouco mais, ela foi deixando... Até certo ponto, depois disso começou a censurar minhas mãos e língua, infelizmente eu estava excitado demais para usar a cabeça de cima e não percebi quando o Michel se aproximou de mim por trás do sofá...

Não ter percebido Michel se aproximar é algo um tanto ridículo de se dizer, quer dizer, não ouvir um bêbado que mal consegue andar se arrastar do banheiro até a sala é no mínimo estranho, mas eu não subestimaria o que um cara com tesão é capaz de ignorar. Um conselho, NUNCA subestime um cara com tesão.

Mas vamos ao que importa, Michel levantou e eu só percebi que ele estava de pé quando vi ele levantar o braço para me dar um soco, bem a tempo de me levantar e desviar do golpe. Então ele começou a me chamar de ingrato e esse tipo de coisa, ouvi ele amaldiçoar a filha dele e dizer que ela era igual a mãe. Coitada, juro que senti pena dela por ter um pai tão filho da puta assim, mas isso não era problema meu. Olhei pra ela e vi ela chorando, acariciei o rosto macio dela e saí antes que o pai dela viesse com uma faca pra cima de mim.

Diabo, eram quase 2h e eu ainda não sentia vontade alguma de ir pra casa, decidir passar em um puteiro ali da região, as mulheres não eram grande coisa, mas serviriam pra acabar o que eu havia deixado pela metade por duas vezes na mesma noite.

Quando estava indo pra lá dei de cara com a Taís, ela deveria estar voltando da casa da Márcia, estava bonita, cabelos cacheados e loiros até a altura dos ombros, belos olhos azuis, seios perfeitos... Realmente a mulher que muitos caras queriam comer, mas que até então havia provado apenas um homem. Ao menos é o que ela me dizia.

- Taís, como vai? - Chamei ela.

- Oi, Sep. Eu estou ótima, senti saudade de você, sabia?

- Eu também, eu ia para a sua casa agora mesmo, queria tanto te ver! Acho que foi o destino que me fez passar por aqui hoje! - Ela era toda romantica, adorava essas coisas de destino.

- Claro que foi! Vamos comigo para minha casa, meu irmão só vai chegar a tarde mesmo.

Ela morava com o irmão mais velho, Fábio, caminhoneiro e religioso, ele não sabia que a irmã era lésbica e provavelmente expulsaria ela de casa quando soubesse. Ele me odiava, não sei o que seria pior pra ele, descobrir que ela era lésbica ou que ela dava pra mim. Coitado, talvez fosse melhor pra ele continuar pensando que ela era uma santinha. Mas nem sempre acontece o que é melhor. Mas isso é outra história... O que interessa era que eu ia finalmente acabar o que eu comecei, talvez não com a mesma guria, mas isso não me faz diferença alguma.

Entramos na casa e ela me pediu um tempo para lavar o rosto, eu até ia deixar, mas algo me impediu de ser paciente, algo que pulsava entre minhas pernas. Segui ela até o banheito e abracei ela por trás quando ela estava se olhando no espelho, ela se virou para mim e me beijou, senti um gosto um tanto salgado que eu imaginava saber daonde vinha... O que aconteceu depois? Isso é um tanto quanto óbvio, e eu não gosto de falar o óbvio.

Acordei perto das 10h, fui para casa antes que Fábio chegasse. Quando estava indo percebi que tinha esquecido de alguma coisa, de me despedir dela. Tanto faz, quando falasse com ela de novo só teria que dizer algo como "Você dormia de uma maneira tão bela e serena que fui incapaz de acordá-la", essas coisas costumam funcionar.

Cheguei em casa junto do Seth, meu gato, a porta estava aberta, já sabia o que tinha acontecido... Cleber, meu colega devia ter bebido muito e desmaiado no sofá. Minha teoria se confirmou quando entrei. Acordei ele e levei ele pro banheiro, ele vomitou tudo o que tinha no estômago, sentou no vaso e dormiu escorado na parede.

Tudo o que me restava era ir pra cama e dormir. A casa estava uma bagunça, no meu quarto tinha uma camisinha usada no chão, quem quer que tivesse usado ela, ao menos se deu ao trabalho de dar um nó para não sujar tanto o chão. Acho que tenho de me sentir agradecido por isso. Deitei na cama depois de trocar o lençol e então lembrei. Havia deixado a Aline sozinha com o pai dela completamente bêbado, não que eu costumasse me importar com esse tipo de coisa, mas e se ela fosse voltar pra casa da mãe dela depois disso?

Diabo, acho que aquela pirralha realmente mexeu comigo.

Realmente aquela pirralha havia mexido comigo. Eu não sou do tipo que se apaixona por qualquer amasso, tenho experiencia o suficiente pra não ser tão idiota! Que belo imbecil eu estava sendo, ainda saí de lá e deixei ela com aquele bêbado. Sabe-se lá o que aquele escroto ia fazer com ela.

Então decidi sair, eu tinha tempo de sobra naqueles dias, estava de férias da escola onde lecionava. Peguei um livro e fui pra praça da cidade.

Sentei em um banco da praça e comecei a ler o livro, lembro-me bem do que eu pensava naquele momento, era algo como "Mas que merda de livro que não me distrai!". Então ouvi uma voz feminina:

- É um bom livro, um pouco triste, mas mesmo assim muito bom.

A olhei com o canto do olho e notei que era muito bonita, de certo mais uma que não resistiu a imagem do velho Sep sentado lendo seu livro.

- Parece ser bom mesmo - Respondi mesmo sem lembrar sequer o título da droga do livro

- Gosta de romances? - Ela perguntou com a boca enquanto eu parecia uma mosca presa naquela teia feita por olhos de safira.

- Claro, são meus favoritos! - Respondi, mesmo odiando romances e seus casaizinhos ridículos e fofinhos.

- Posso lhe apresentar uma obra de minha autoria? - Então o encanto quebrou, ela estava apenas sendo simpática para me vender um livro.

- Claro - Sorriso amarelo estampado na cara decepcionada.

- Como gostei de você, te faço um desconto especial, quinze reais. Normalmente vendo a vinte e cinco, mas como acredito que um bom leitor vale mais do que dois "passeadores de livro" lhe faço esse desconto.

Então consegui recuperar-me do choque e preparar o contra-ataque.

- E que tal se invés do desconto você me desse uma assinatura e seu número de telefone? - Revidei usando o meu mais mortal sorriso

- Não costumo dar meu telefone a estranhos, especialmente aqueles com sorrisos tão típicos de Casanovas - Me respondeu rindo

- Não me parece conveniente a uma escritora julgar alguém por um sorriso, especialmente alguém que lhe pede uma assinatura.

- Assim como não me parece ser correto o professor que corrigiu a prova de um aluno de maneira tão ridícula por problemas pessoais com ele tentar ser gentil com a irmã mais velha desse aluno apenas porque descobriu que a mesma lhe atrai físicamente. Não esqueci de você Professor Javier - Ela me respondeu com aquele típico olhar de desdém, para logo em seguida levantar e seguir pela avenida.

Eu continuei olhando pra ela, ela realmente tinha um belo traseiro. Ela nem olhou pra trás, eu podia perceber pelo modo com que caminhava que ela estava irritada, muito provavelmente sentia ódio de mim. E eu realmente adorei isso, serviu para me fazer esquecer da Aline e da enrascada em que eu havia metido ela.

Aquela mulher tinha de ser minha.

O irmão da escritora é meu aluno, eu costumava comer a irmã mais velha de uma colega dele, e ela me pediu para ferrar com ele, que é ex-namorado da irmã dela. Eu não estava muito afim, mas como o moleque andava me irritando nas aulas já a algum tempo decidi foder com ele. Aproveitando que minha disciplina não é exata ferrei a nota dele em um trabalho extra-classe, o único do bimestre. Considerando que ele não foi bem na prova bimestral, a nota no boletim não foi sequer perto da média. Resultado: Exame, e como o pirralho vivia de colar em provas, repetencia. Mais um ano nas minhas mãos.

Certamente ele falou mal de mim pra irmã dele, no fim não vai fazer diferença, ela vai ser minha tal qual todas as outras que atravessaram meu caminho. Será muito útil pra tirar a Aline da minha cabeça.

Depois de ter encontrado com a escritora na praça continuei lendo meu livro, então senti um perfume feminino, mais forte do que o normal. Levantei a cabeça e vi Aline, mini-saia jeans, blusinha amarela, tênis all-star e o cabelo solto. Maldita beleza da adolescência, faz com que homens feitos fiquem com cara de trouxas. Ela estava andando em direção a uma lanchonete na praça, não tinha nenhuma marca, sinal de que o pai dela não havia feito nada de grave, afinal. Mas havia algo de diferente na expressão dela, ela parecia preocupada.

Levantei e entrei na lanchonete atrás dela, me aproximei dela por trás e toquei seu ombro.

- Aline, eu poderia falar um instante com você? - Eu estava agindo por impulso, não sabia o que dizer a ela, estava perdendo o controle. Ela se limitou a olhar pra trás e com uma expressão de surpresa me respondeu:

- Claro, vamos sentar naquela mesa do fundo.

- O que aconteceu ontem? Seu pai, como ele reagiu?

- Péssimamente, ele tentou me agredir mas eu fui mais rápida do que ele. Consegui fugir dele antes que ele me espancasse. Pela manhã ele acordou sem lembrar de nada do que aconteceu, ele levantou, me xingou por não ter feito o café da manhã dele e foi ele mesmo fazer.

- Ele estava realmente bêbado demais. Sabe, eu me preocupei muito com você - Eu disse pegando a mão dela com leveza.

- É sério? - Ela me perguntou, depois de olhar para minha mão sobre a dela com uma expressão no rosto que me pareceu um tanto estranha.

- Claro, eu gostei muito de você, sabe. Mais do que eu imaginei que eu pudesse em apenas uma noite.

- Então eu posso confiar em você? - Ela me perguntou com olhar apreensivo

- Claro! Eu seria incapaz de fazer qualquer mal a você!

- Então vem comigo!

Ela disse me puxando pelo braço, saímos antes mesmo dos X-Saladas chegarem, ela me levou até a sua casa, abriu a porta da despensa e me mostrou a última coisa que eu esperava ver, Michel estava com uma faca enfiada no peito, morto sobre dezenas de garrafas vazias que cobriam o chão.

Hoje quando penso naquilo não consigo entender o porque de ela me mostrar aquilo, afinal, nós mal nos conhecíamos! Talvez estivesse desesperada demais, confusa, enfim... Acho que ela estava fora de si.

Fiquei olhando aquele corpo por uns 15min sem dizer qualquer palavra, apesar de tudo não deixava de ser ironico, o filho da mãe estava como um Faraó, rodeado daquilo que mais gostava. Enquanto eu estava em silêncio Aline continuava preocupada, me disse que fez aquilo em legítima defesa, que estava cansada de sofrer abusos daquele bêbado, que estava morando com ele a apenas três dias e ele já havia tentado estupra-la duas vezes. Dessa vez ele ameaçou ela com uma faca, mas acabou pisando em uma garrafa e caindo, ela pegou a faca, ele foi pra cima dela e ela se viu obrigada a usar a lâmina.

- Eu estava apavorada, depois que você saiu ele disse que se você podia ele também, afinal foi graças a ele que eu vim ao mundo - ela disse antes de cair em prantos.

- Não pense que estou lamentando a morte dele, eu odiava ele. Vim morar com ele apenas porque briguei com minha mãe, mas nunca imaginei que iria encontrá-lo assim. Apesar de ser um idiota ele sempre foi me ver sóbrio, raramente ia me visitar, e quando ia brigava com minha mãe e saia meia hora depois de chegar, mas sempre ia sóbrio.

- Tudo bem, eu entendo você...

- Entende? Entende o que? Você já foi estuprado pelo padastro? Já foi ameaçado com uma faca pelo próprio pai? Não venha me dizer que entende alguma coisa! Todos fingem que entendem e dizem que vai passar, que a vida vai melhorar! MENTIROSOS! Imbecis que não entendem nada de sofrimento! O que você sabe de sofrer, senhor professor de hedonismo? - Ela estava visívelmente alterada, num misto de desespero, ódio, indignação e vergonha. Tudo o que pude fazer foi abraça-la enquanto ela chorava copiosamente, o rosto vermelho, o corpo rijo e os punhos fechados de ódio lentamente foram dando lugar a braços que procuravam meus ombros, que me envolveram tal qual uma criança que aprontou na escola e abraçava a mãe em um sincero pedido de desculpas.

- Você precisa se acalmar, nós ainda temos de resolver o problema desse corpo. Por sorte a empresa onde ele trabalha o conhece bem, e não estranhariam se ele faltasse ao trabalho por alguns dias. Não creio que ninguém mais dê pela falta dele, ou você sabe de alguém que costumava vir aqui? - perguntei

- Não, ao menos desde que vim para cá a única pessoa que entrou nessa casa, além de nós, foi você. O que me diz de jogarmos o corpo no rio que passa aqui perto? - Ela sugeriu

- O corpo iria boiar, logo seria encontrado e consequentemente reconhecido. A menos que nós cortassemos ele em partes e as jogassemos em diferentes partes do rio, a cabeça poderia ser enterrada para dificultar o reconhecimento, difícilmente alguém conseguiria reconhecer ele por um pedaço da perna.

- Grande idéia! E quem vai ser o "açougueiro"?

E aí surgia o problema, eu não teria coragem de cortá-lo, muito menos ela. Então decidimos que iríamos beber o suficiente para que eu pudesse fazer o serviço. Porém, é muito difícil duas pessoas de sexos opostos beberem juntas e não acontecer nada, especialmente quando se trata de uma guria linda feito ela, e um aproveitador escroto como eu.

Algumas horas depois saímos os dois no carro do falecido, com uma carga fedida no porta-malas e enquanto a cidade dormia nós jogávamos partes do pai dela pela janela do carro.
Há alguns dias atrás um guri, que devia ter entre 15 e 17 anos, foi até o box, olhou algumas camisetas, me perguntou o preço e saiu. Cerca de meia hora depois ele voltou, acompanhado do pai. Olhou algumas camisetas, acabou escolhendo uma do Iron Maiden, o pai dele perguntou se ele queria mais alguma coisa e ele pediu um spike, daqueles com "espinhos" mesmo a resposta do pai foi algo como " -Isso eu não permito!", uma reação absolutamente negativa, de modo que parecia que o ato de usar um spike faz de alguém usuário de drogas ou homossexual, o pai então pediu pro guri escolher outra coisa, ele então escolheu outro spike, mas sem "espinhos" e com o símbolo do Se pultura (ou era do Ramones?), o pai respondeu algo como "- Esse até vai, mas aquele não.", me pagou pelo spike e pela camiseta e os dois saíram.
Esse foi um caso, existiram outros, muitos outros, alguns envolvendo mães me perguntando como alguém pode querer usar coisas "tão horríveis" ou a amiga/irmã/namorada que disse que deve-se adorar a Jesus e não ao Nirvana, ou ainda amiga que declarou, "-A revolução acabou, 'revolucionário', não compre uma camiseta do Che.". Em vários casos, quem disse este tipo de coisa ainda me olhou em busca de aprovação ou talvez esperando que eu reagisse. Eu poucas vezes disse qualquer coisa, e quando disse, nunca foi o que eu quis dizer, minha situação não permite, querendo ou não, eu não tenho o poder de mudar a mentalidade de ninguém, ao menos não com uma frase.
Mas sabe quem pode? Aqueles que são o alvo dessa discriminação, através de atitudes, demonstrações de responsabilidade, mostrando que a cultura rock'n roll/metal/punk não é limitada a "ficar bêbado e fazer barulho", limitar-se a isso é dar munição aqueles que acreditam que o rock'n roll e suas vertentes são só isso mesmo. Não que ficar "bêbado e fazer barulho" não seja divertido, mas todos sabemos que isso é só uma pequena parte de uma subcultura rica chamada cultura rocker.
Alguns dias atrás um amigo meu contou que sua mãe, evangélica, achava um horror as camisetas de banda que ele usa, hoje ela acha elas bonitas e, certo dia, quando ele chegou em casa ela estava ouvindo Pantera(!) e o que ela disse? "Legal essa música, quem canta?".
Com esse caso, encerro a postagem.

Mas, lembro a todos que o blog é aberto, quem quiser ter algo postado só precisa me mandar que eu posto e, obviamente, credito ao criador. Se alguém quiser ser um colaborador fixo, (e com isso postar sem me ter como intermediário) só precisa conversar comigo. As portas estão abertas.